A floresta esconde belezas e perigos. Para alguns, esses perigos podem
ser um bom motivo para ficar longe dela, menos para uma jovem e linda índia,
que aprendeu a correr velozmente por ela. Ela gostava de sentir o vento em seus
cabelos, quase sempre adornados com uma orquídea que colhia pela manhã. Já a
mãe da jovem nunca aceitava o modo livre que ela encarava a vida. Sempre que conseguia
a segurava. Ensinou-a desde criança a usar arco e flecha, e era extremamente
protetora. Nunca a deixava sozinha, se não podia estar por perto deixava alguém
em quem confiasse e que conseguisse conter os ímpetos de Ester.
Ester era cortejada pelos
guerreiros mais fortes de sua tribo, sua beleza chamava a atenção de todos. Mas
ela sempre rejeitava cada um deles, por mais que muitos fossem do agrado de sua
mãe, ela se mantinha indiferente quanto a isso. Muitas vezes isso causava
confusão entre todos da tribo. As jovens a achavam orgulhosa por menosprezar
guerreiros que elas adorariam ter como companheiros. Já a eles causava mais
disputa, pareciam querer o amor dela como um troféu.
— Jaci?
— Chamou
um velho índio entrando na oca em que ela e Ester moravam.
Jaci olhou o velho índio com respeito e reverência.
— Sim,
pajé.
— Ester
não pode mais continuar sozinha, você sabe que ela é amaldiçoada, Anhangá a
quer.
— Quando
fugi da minha antiga tribo, já foi para protege-la. Mas ela é diferente, não
pensa como uma de nós. Não pensa como uma Guarani.
— Você
já contou a ela sobre a origem dela?
— Vou
conversar com ela hoje.
Ester passou o dia todo em
companhia das poucas amigas que tinha ali, nadaram, pescaram, colheram frutos,
tudo que ela sempre gostava de fazer. Perto do início da noite, quando Ester
retornava, viu a mãe sentada na porta esperando por ela. Ester já imaginava se
tratar da sua aventura do dia todo, ou de ter que arranjar alguém para casar.
— Mãe,
não fiz nada de errado, estávamos nos divertindo, até trouxe algumas frutas.
Ester mostrou um cesto com
algumas carambolas e jabuticabas. Mas nada mudava a posição de Jaci, que estava
irredutível.
— Vamos
conversar hoje. Entre.
Ester entrou e sentou-se ao lado
da mãe, estava preocupada. Normalmente teria tomado uma bronca, porém não
estava acontecendo isso.
Jaci segurou um pouco a conversa,
parecia se preparar para falar, não queria esquecer nada e muito menos deixar
Ester com qualquer dúvida.
— Ester
o que você lembra sobre seu pai?
— Só
que era um guerreiro, quando vivíamos na grande floresta, e morreu pouco depois
que nasci.
— Ah,
minha curumim! Seu pai não é quem você pensa. Este que você sempre pensou ser
seu pai era meu companheiro, mas morreu muito antes de você ser concebida.
Ester não conseguia entender
aquilo, pois, cresceu achando que o pai morreu em uma batalha com uma tribo
rival.
— Sou
filha de qual Guarani então?
— Você
me foi dada de presente, em uma manhã quando eu me banhava no grande rio, um
boto nadou por diversas vezes ao meu redor. Assustada, sai rápido da água e ele
assumiu a sua forma original. Você é filha do boto, ou melhor, filha de Tupã
que se fez boto para se aproximar de mim.
— Por
isso sou tão diferente das outras, não penso como elas. E por isso alguns me
temem, dizem que na mata meus olhos parecem com os de uma onça parda.
— Eu
fugi da nossa antiga tribo, quando você ainda era pequena. Temia Anhangá, que atacou
a tribo e matou duas moças, fez isso como um aviso, disse que quando você se
aproximasse da idade que tem hoje viria te buscar, ele dizia que você estava
destinada a ele. Nesse mesmo dia três seres nunca vistos antes e vestidos com o
povo das estrelas, vieram até mim, eles me disseram para fugir com você, e que não
me preocupasse, pois iriam me proteger até chegar aqui. Então uma estrela
acompanhou todo o meu caminho durante as noites e durante os dias o próprio
Tupã aparecia.
Ester agora conseguia entender o
motivo das brigas e discussões quando ela saia e se demorava; a mãe a protegia
quando a impedia de andar sozinha, e quando a fazia escolher um companheiro, era
porque queria tirá-la das garras de Anhangá. Mas justamente esse era um grande
motivo para que ela não escolhesse ninguém ali.
No outro dia logo pela manhã ouviram
gritos vindo do centro da tribo, as duas se levantaram rápido e foram ver o que
acontecia. Uma mulher gritava pela morte a filha, ela havia sumido durante a
noite e pela manhã alguns guerreiros, que foram procurar por ela, trouxeram o
corpo dela, pálido e sem sangue. No abdômen estava um estranho símbolo LIX.
Ninguém ali sabia o que era. Ester sentiu uma grande tristeza pela morte da
moça, mesmo não sendo próximas. Isso a abalou muito.
O dia correu pesado, todos
estavam assustados com o acontecido, eram uma tribo pacifica, não tinham
rivais, e uma morte estranha como aquela logo os fez pensar que algum espírito
maligno poderia estar rodeando a todos.
O pajé era o único que sabia a
origem de Ester e o fato dela ser a escolhida de Anhagá. Mas o respeito que
tinha por Jaci, o fazia manter o segredo.
Os ânimos foram se acalmando
conforme os dias passavam, até que um novo fato aconteceu. Desta vez, foram as
mulheres da tribo que acharam um corpo, de uma das jovens que lá vivia. O mesmo
símbolo estava marcado no corpo da jovem, mas agora o corpo estava dilacerado,
e uma rosa havia sido deixada com sangue ao lado dele.
O pânico novamente tomou conta
de todos ali. Agora realmente achavam que estavam lidando com um espírito maligno.
O pajé foi convocado às pressas para uma reunião com o líder e todos os mais
velhos da tribo. Novamente ele manteve segredo sobre Ester, mas sabia que não
poderia continuar por muito tempo.
Jaci já não deixava Ester sair
da aldeia, e sempre a fazia treinar e treinar com o arco e flecha. Sabia que Ester
precisaria se defender de Anhagá, que a rondava cada vez mais.
Os dias se passavam e os ânimos
não se acalmavam. Ester levantava todos os dias querendo sair.
— Anhangá
não me assunta, preciso sair, fazer alguma coisa, não aguento mais essa prisão.
— Anhangá
é poderoso Ester, você não vai!
— Eu
cuido dela Jaci. — Falou um dos guerreiros, que era um dos
pretendentes de Ester.
Jaci pensou que talvez se
Anhangá visse Ester com um guerreiro com o porte de Wanadi, poderia pensar que
ela já havia escolhido alguém, e com isso, Anhangá deixaria Ester em paz, então
autorizou que os dois fossem.
Ester ainda não se sentia muito
à vontade com Wanadi, ele parecia aproveitar a ocasião para corteja-la ainda
mais, e ela ficava sem muita ação, estava intimidada e ao mesmo tempo com medo
de Anhangá. Ela viu uma linda orquídea roxa em uma árvore e a colocou em seus
cabelos, enfeitando-os. Fazia algum tempo que não se sentia assim, livre como
gostava, apesar das investidas de Wanadi.
Ela resolveu ser um pouco mais
tolerante, e os dois pareciam finalmente se entender. Ester parecia estar
mudando de ideia quanto a ele. Era um guerreiro lindo, não podia negar, mas no
fundo ela sentia que sua outra parte estava em outro lugar. De repente, ouviram
um barulho ensurdecedor na mata próximo a eles. Uma figura translucida apareceu
ali. Wanadi reverenciou o ser que viu, e Ester sem entender muito só olhou.
— Minha
filha, fuja, corra! Wanadi, leve Ester daqui agora. Anhangá está vindo, ouçam
os barulhos que ele faz! Ele veio buscar Ester, e o ciúmes dele não deixará que
ele lhe poupe Wanadi.
Os dois correram o mais rápido
que conseguiram e chegaram a salvo na tribo. Mas ninguém tinha garantias que
Anhangá não atacaria a tribo. Os barulhos estavam cada vez mais fortes,
pareciam raios cortando árvores ao meio.
O Pajé pediu pela ajuda de Tupã
e dos espíritos que habitavam a mata, e um silêncio se fez. Anhangá não
enfrentava Tupã.
A tribo não sabia mais o que
fazer contra Anhagá, estavam em pânico. O pajé não tinha mais alternativa,
teria que contar sobre Ester, ele convocou todos ali para uma conversa. Acenderam
uma fogueira, e ele passou a relatar tudo sobre Ester ser a escolhida de
Anhagá. Wanadi se opôs a isso, pois para ele, Ester não poderia se sujeitar a
ninguém, muito menos a um ser caprichoso como Anhagá, ainda mais ela sendo
filha de quem era. Provavelmente Anhangá queria enfrentar Tupã, e escolheu
Ester por saber que seria a melhor alternativa contra ele.
Alguns da tribo queriam deixar
Ester na mata para que Anhangá a levasse logo. Ela ficava aflita com isso, e Jaci
intercedendo por ela disse:
— Vocês
não viram que Tupã a protege? Isso tudo é uma briga entre os dois, Ester é uma
vítima, de algum capricho de Anhagá. Ele a quer somente para confrontar Tupã. E
se Tupã descobrir que ela foi dada a Anhangá por vocês, com certeza ele vai se virar
contra a tribo que agora protege.
Todos sabiam que Jaci estava
certa. Entre tentar deter Anhangá e enfrentar a ira de Tupã, era melhor ficar
com a primeira opção.
Ester agora era protegida de toda a tribo,
e prometida de Wanadi. Ela havia aceitado bem sua situação e dentre todos
Wanadi era sim a melhor escolha.
Pela manhã, Jaci levantou cedo. Sabia
que Ester estava quieta para agradar a todos, e vendo a resignação da filha,
resolveu trazer as frutas que ela tanto gostava. Queria tirar dela um sorriso.
Chamou uma das moças que tinha mais afinidade com Ester e seguiram para colher
jabuticabas e carambolas.
Ester não viu a mãe ao acordar,
mas mesmo assim foi preparar algo para comer. A manhã passava e nada de Jaci
voltar, Ester começava a ficar impaciente. Agora entendia preocupação que mãe
demonstrava, quando ela demorava. De repente ela escutou a amiga entrar
correndo.
— Sua
mãe Ester!!
— O
que tem minha mãe?
— Anhangá
arrancou o espírito dela. Ele tocou nela e ela caiu sem vida.
— Então
se ele quer a mim, ele terá.
Ester parecia decidida. Pegou o
arco, as flechas e saiu rápido em direção a mata. A amiga correu até Wanadi,
precisava que alguém parasse Ester. O líder da tribo pediu que os guerreiros
mais fortes fossem abençoados pelo pajé, pois iriam enfrentar Anhangá.
Ester andava pela mata quando
achou o corpo da mãe, ao lado um cesto com suas frutas preferidas. Ester não
conteve o choro. Ela havia morrido apenas para lhe dar um presente. Era
assustador como alguém poderia ser tão cruel, ele era o espírito que protegia
os animais, não entendia qual a ira dele contra Tupã a ponto de faze-la sofrer
assim. Um barulho de galhos quebrando começou a ser ouvido em cima das árvores,
Ester secou as lágrimas, e pegou uma flecha. Risadas e mais risadas vindas do
alto, Ester já com arco e flecha tentava procurar, sabia que só poderia ser
ele, finalmente iria enfrentar seu destino.
Anhangá desceu das árvores, e parou
em pé na frente de Ester. Era a figura de um rapaz. Ester ficou admirada com a
beleza dele, esperava um deus carrancudo e muito velho, e não um jovem lindo
como o que se apresentava ali. Ester sabia que não poderia cair nas armadilhas
dele, sedução era algo que os deuses usavam muito contra as moças humanas.
— Você
uma humana? — Riu Anhangá.
Ela ficou assustada, ele estava
entrando em sua mente e ouvindo seus pensamentos. Ele andava em volta dela, a
olhando de cima a baixo.
— Como
eu procurei por você Lix.
— Sinto
muito, você perseguiu a pessoa errada por todos esses anos. Me chamo Ester.
Anhangá nitidamente contrariado
vociferou:
— Não
me corrija!! Você só está com esse nome agora! — ele se acalmava — Nome esse que foi escolhido em
homenagem a um dos nomes que sua verdadeira mãe usava: Ishtar.
— Minha
mãe se chama Jaci!! — Bradou ela ainda mais alto.
— Você
está muito crua para conhecer sua origem, mas eu a ajudo. Vamos!
— Me
solte Anhangá! — Ester Lutava contra ele e em pensamento chamava o
único ser que imaginava ser capaz de salva-la. Pedia ajuda a Tupã.
— Do
que você me chamou? — riu Anhangá — Não tinha ganhado esse título ainda, mas se for
para ficar com você aceito de bom grado. Me chamo Marcus, sou um Nefilim assim
como você.
Uma força nova se opôs a ele, jogando-o
longe de Ester, e dois outros seres apareceram. Ester mais uma vez admirou cada
um deles, especialmente um que era um pouco menos robusto do que o outro que arrastava
Anhangá pela mata.
Ele olhava Ester com a mesma
admiração que ela tinha por ele. Ester via o confronto do outro ser contra
Anhangá com espanto, deuses que duelavam para protege-la, ou eram apenas mais
deuses caprichosos querendo enfrentar Tupã.
— Viemos
para ajudar você. Me chamo Ângelo.
— Ester!
Os dois se cumprimentaram com um
aperto de mãos, Ester por um minuto sentiu que estava diante de quem ela sempre
esperou.
— Você
não vai ajudar? — Perguntou ela.
— Argos
dá conta do recado.
E realmente deu, Anhangá ou
Marcus como ele se apresentou, fugiu e Ester estava finalmente livre dele.
— Seus
amigos estão chegando Ester. — alertou Argos — Vamos até a aldeia, e avisaremos que você agora
volta a ser responsabilidade dos deuses, não viverá mais com eles.
— Não
posso seguir com quem eu não conheço. — retrucou ela — Vocês não controlam meu destino, com que direito
querem me impor alguma coisa?
— Você
é uma Nefilim, pertence aos juízes, um grupo muito especial dentro da sociedade
Nefilim.
—
Juízes?
— Sim.
— continuou
Ângelo —
Somos em sete no total. Mas por enquanto somos só nós três. Em breve mais dois
rapazes e duas moças se juntarão a nós. Um dia elas já foram suas melhores
amigas, e sei que vocês serão novamente, a amizade que vocês tiveram foi muito
forte.
Argos colocou a mão na testa de
Ester. Queria que ela ficasse tranquila então a fez lembrar um pouco da vida que
teve como Lix. Ela vivenciou alguns sentimentos, e confirmou que Marcus tinha
razão, eles já se conheceram um dia, e Ângelo era sim quem ela esperava, os
olhos dela agora brilhavam com uma intensidade muito grande.
Os três seguiram em direção a
tribo, queriam encontrar os guerreiros no caminho, antes de serem abordados
ali.
Wanadi achou estranho os dois
acompanharem Ester. Ela parecia tão tranquila ao lado deles. Argos chamou o
pajé e explicou tudo a ele, o pajé sabia que o que ele contava era verdade,
pois muitas lendas já foram ditas a respeito do povo das estrelas. Ficou feliz
e nada surpreso de Ester ser um deles, já Wanadi parecia totalmente contrariado
com o destino que ela teria. Ester tentou acalma-lo, e disse que no fundo sempre
soube que ela era diferente deles.
O corpo da mãe de Ester foi
cremado por Ângelo, ele deu a ela uma cerimônia digna de uma rainha e no fim a
agradeceu:
— Obrigado,
por cuidar dela para mim.
Ester se despediu de todos,
colocou tudo que tinha dentro de uma sacola de palha que ela mesma havia feito,
e seguiu com Argos e Ângelo, sentia-se segura, sabia que poderia confiar no que
viveria dali por diante.
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