Do topo de um edifício muito alto, o maior que havia no centro daquela
grande cidade, uma moça observava atenta as luzes e a movimentação das pessoas
lá embaixo, o vento batia em seus longos cabelos negros, trazendo um pouco de
frio. Ela estava usando um longo vestido preto, e protegia os ombros com um
lenço escarlate.
A moça via as pessoas andando de
um lado a outro, os carros sem paciência quase atropelavam quem passasse em
frente. Daquela altura as pessoas pareciam tão pequenas que lembravam mais um
grande e atrapalhado formigueiro. Na maior parte das vezes era isso que ela
pensava que fossem realmente, um bando de formigas. Mas logo corrigia sua
observação, pois as formigas eram extremamente organizadas, e isso era coisa
que não se via ali. Os humanos nem sequer se espelhavam nos insetos, eram mais
como grandes carniceiros, arruaceiros e egoístas. Pensar neles a irritava ainda
mais, como ela detestava aquela espécie, não conseguia ver nada de positivo
neles, nada que pudesse os tornar um dia pelo menos um pouco parecidos com a
espécie que deu origem a eles, da qual ela também descendia. Vermes,
barulhentos e inconsequentes era como ela via os humanos.
Desviou os pensamentos daquilo,
não queria que nada estragasse o momento que ela tanto aguardava, eram tão
poucos que não deveriam ser estragados por coisas tão banais assim,
principalmente por reles humanos. Lenora esperava ansiosamente a chegada de
alguém que sempre amou, os dois pertenciam a mesma espécie, eram descendentes
dos mesmos deuses, que um dia formaram a vida humana, porém tinham uma relação
diferente com os humanos. Ele compreendia as imperfeições humanas, aceitava os
defeitos que eles tinham e a busca deles por essa perfeição, protegia, cuidava
deles, mas nunca se mostrava a eles. Já Lenora fazia o que podia para provar
que os humanos jamais seriam merecedores da ajuda que ele dava, expunha as mazelas
humanas sem o menor pudor, tentava-os, se fosse preciso, de todas as maneiras
que ela poderia usar. O poder era a sua forma preferida para tenta-los, os humanos
nunca resistiam muito tempo a isso, sempre eram vencidos, e com isso ela
afirmava ainda mais que seu modo de pensar era superior ao dele. Lenora o
queria a seu lado, queria que ele entendesse o erro que foi a criação e a
libertação dos humanos. Como ela poderia amar tanto alguém como ele, alguém que
protegia os seres que ela detestava? Mas o sentimento que Lenora tinha por ele era
mais forte do que ela. Os dois eram feitos da mesma essência, jamais
conseguiria ficar longe dele. Se o universo cria coisas em pares, então ele era
o par dela, o único ser que conseguia acalmar e suavizar seu coração, disso ela
tinha certeza absoluta.
Conseguiam se encontrar tão
pouco... eram os responsáveis por liderar as duas maiores forças opositoras que
havia naquele pequeno e esquecido planeta, cada uma dessas forças lutando pelos
humanos, uma pelo direito de eles evoluírem, e outra, a que Lenora cuidava,
lutava pela extinção desses mesmos humanos. Os humanos os definiriam como o bem
e o mal, e ela achava tão simplória essa definição. Perguntava-se às vezes o
que era o bem que eles pregavam e o que seria esse mal.
Os humanos não tinham a menor
noção do que era a real definição dessas duas forças, preocupavam se com coisas
tolas, e não imaginavam o quão vasto era o universo. Lenora conhecia todas as
raças que dividiam o cosmos. Era sempre responsável por apaziguar as raças que
tinham a intenção de exterminar logo o erro dos Elohim. Era assim que os
humanos eram considerados: um erro. Era irônico Lenora fazer isso, pois sempre
desejou que os humanos sumissem logo de uma vez, mas ela fazia isso pelo
planeta, pelo mundo que ela conhece como lar, achava que aquele orbe era
destinado aos da sua espécie, não aos humanos, já tinha tudo planejado, sabia
como daria um fim aos humanos, esperava somente o momento certo.
De repente uma brisa leve
encostou novamente em seu rosto, sentiu que agora sim, ele havia chegado. Não
olhou para trás de imediato, se acalmou mais uma vez, queria desfrutar da
alegria de estar com ele, seu coração saltava sempre que o via, e Lenora tentava
conter isso de todas as formas. Ele sempre tentava convencê-la de que estava do
lado errado e Lenora precisava manter o controle sobre seus pensamentos, para
que ele não pudesse descobrir nada sobre os planos que tinha para os humanos,
essa era a parte mais difícil desses encontros, controlar um sentimento que
parecia incontrolável.
— Lenora?
— Chamou
ele.
Ela se virou devagar, queria se
acalmar mais um pouco, por mais que milênios houvessem passado, o som da voz
dele ainda tinha o poder de deixa-la arrepiada.
— Argos!
— ela
se virou para vê-lo — Você demorou um pouco mais dessa vez.
— Tive
alguns problemas antes de chegar.
— Não
sei por que, você ainda perde seu tempo ajudando os humanos. São dois trabalhos
ajudar e faze-los esquecer que foram ajudados.
— Eles
são responsabilidade nossa, você sabe disso.
— Não!
Eu não os coloco como responsabilidade minha, pelo contrário. Eu os acho
indignos de qualquer ajuda que um de nós possa oferecer.
— Sei
que você tem rancor, mas deveria rever isso.
— Não
é uma questão de rancor e sim de lógica. Pense, reflita, sobre o que os humanos
já fizeram até hoje, e veja se realmente é aceitável o comportamento deles.
— Eles
são divididos entre o bem e o mal Lenora. São apenas criaturas imperfeitas.
— A
meu ver a balança pesa mais para o mal. Sou um ser milenar, já vi tudo que eles
são capazes de fazer, e não foram coisas boas. Eu presenciei guerras, matanças,
injustiças, fome e todo tipo de misérias, que só eles são capazes de criar.
Argos só ouvia o desabafo dela,
ele prestava atenção, e tinha um carinho no olhar, não retrucava nada, queria
que ela relatasse tudo que pensava antes de se pronunciar a respeito. E não
podia negar que ela ficava ainda mais bonita brava.
Lenora respirava fundo, tentando
não descarregar a raiva que sentia dos seres que ela julgava tão inferiores, em
quem ela amava.
— Já
tentei, Argos, mesmo escondido, ajudar os humanos, mas eles sempre distorciam
tudo. Eu sempre me arrisquei atoa.
—
Você só fez isso uma vez.
— Não!
Foram várias vezes.
— Não
sabia que você havia tentado ajuda-los mais vezes?
— Ninguém
sabe. Hoje temos novamente um pouco mais de liberdade quanto a isso, mas se nossos
superiores descobrissem na época em que fiz, correria sérios risco. Poderiam
até me exilar.
— Você
sabe que sempre teve a proteção de uma das mais fortes Nefilins que existiram.
— Eu
sempre soube disso. E você sabe bem, que eu até tirei proveito, mas na época era
necessário.
— Eu
sei e arquei com sua atitude. — Argos demostrou sua reprovação e tristeza ao
confessar isso.
Lenora parecia não demonstrar
culpa ao vê-lo chateado, o que ele passou não foi fácil, mas para ela o que realmente
importava era o resultado de tudo, que acabou sendo favorável a ela.
— A
primeira vez que eu ajudei os humanos, foi quando me apresentei a Boadiceia,
com o nome de Andraste. Nós ainda tínhamos sérias restrições quanto a isso, já
havíamos feito bagunças demais no destino deles. Ezu, meu pai, estava como o
responsável pela Terra. Eu gostava do modo com que o povo da rainha Boadiceia me
adorava, eu era a deusa da morte, mas chegar até eles me apresentando dessa
forma não daria certo, então assumi a forma de Andraste, a deusa da guerra
deles, mas que nós conhecemos um dia por Elenia, pena que ela estava ocupada
demais com as brigas em volta dela, se não fosse isso acredito que ela mesma
teria feito o que eu fiz. Ela nunca teve medo de Hix e Taranis, muito menos de
Ezu. Fazia o que queria e pronto.
— Mas
eles descobriram que alguém ajudou Boadiceia.
— Eu
lembro, e sabemos que ela assumiu minha culpa. Mas pelo menos meu intento deu
certo.
— Até
certo ponto. Você nunca foi ligada a estratégias militares e sabe que final foi
trágico. Ezu vendo que foi pela interferência de um Nefilim, que o curso
natural foi mais uma vez mudado, e aconselhado por Marduk, incumbiu Augusto do
exército oposto, e você sabe que fim teve.
— Augusto
é um guerreiro, não tanto quanto você, mas é. Ele sempre gostou de estar no
campo de batalha, mas é um sanguinário cruel. Não entendo você não ter ido se
opor a ele.
— Eu
não podia. Eu, Elenia, Lix e Kenix estávamos sob forte vigilância.
— Galaz
uma forte vigilância? Não me faça rir. A única coisa que Galaz queria, era se
assegurar que Marduk o aprovasse em tudo que fazia.
— Na
verdade, creio que, Elenia não queria que descobrissem você.
— Uma
desculpa mais aceitável.
Lenora respirou fundo, na época
ela não aceitou a decisão de Ezu e Marduk, ao mandarem Augusto. Muito menos a
passividade que Elenia e Argos tiveram. Mas ficou quieta, pois poderia ter sido
bem pior. As intervenções de Elenia davam sempre melhores resultados, ela
conseguia corrigir tudo como queria, por mais que ela desafiasse a todos para
fazer o que julgava certo, acabava se saindo bem com os líderes, num ponto
Argos tinha razão, Lenora jamais gostou de guerras, e nunca se interessou em
aprender as coisas que Taranis ensinava, só queria aprender a lutar para se
defender, as estratégias nunca a despertaram interesse. Por isso passou a
interferir pelas áreas que dominava: magia, política e ciência.
— Agora
um fato que para você será uma surpresa. — comentou ela — Lembra-se de Ulpianus?
— O
jurista romano?
— Sim! — Lenora parecia
orgulhosa com o que iria contar — Foi eu quem o influenciou a criar o: Viver
honestamente, não ofender ninguém e dar a cada um o que lhe pertence.
Quando meu pai viu essa centelha de justiça nascendo, mandou
que o ajudassem, queria que iluminassem os caminhos do jurista para que pudesse
florescer cada vez mais. — Ironizou ela.
— Mas
isso foi um grande avanço. — Ele tentava fazer com que ela visse, que realmente
havia feito algo bom.
— Você
por acaso lembrasse disso? — Ela mostrou o sinal de positivo virado para baixo.
— Grandes
homens morreram com um sinal como esse. Como você acha que eu posso entender as
perversidades humanas, eles eram justos só quando os convinha.
Lembrar daquilo, só a fazia ter
mais certeza que os humanos eram mesmo capazes de coisas horríveis. As
lembranças vinham cada vez mais nítidas, ele suspeitava que ela havia interferido
na vida humana diversas vezes, incluindo negativamente, mas esperou que ela
voltasse a relatar tudo.
— Tudo
que eu fazia para o bem, os humanos deturpavam, eu apareci para vários que se
auto intitulavam magos, mas nós sabemos o que é ser um mago. Tentei ensinar
curas, terapias e remédios, mas logo viravam drogas alucinógenas ou seitas.
Passei a assistir à queda de cada um deles, às vezes eu até as provocava, já
que tentativas de auxilio eram sempre erros. Vi coisas horríveis, mesmo quando eles
já se diziam civilizados. Mortes em massa, ataques desleais, manipulação de
povos, ganância. Argos, eles são feitos desse sentimento. Sempre foram os
mesmos, ano após ano, década após década, e nunca mudaram e nunca irão mudar.
Eu vi a queda de impérios, vi os horrores das guerras.
Lenora estendeu a mão na direção
de Argos, de repente ela fez uma imagem da Terra aparecer diante dele, sob a
palma de sua mão. Ela olhava quieta pensativa a pequena imagem da Terra, ele a acompanhava
com olhar de admiração, pois a imagem que ela fez era de uma perfeição magnífica.
— Um
planeta tão pequeno. — Lenora olhava com certa melancolia — Tão
minúsculo perto dos tantos que nós sabemos ter espalhados pelo universo. No
entanto somente aqui, na Terra, é assim. Os humanos se dividem de uma forma que
nenhuma outra civilização faz, criam barreiras para tudo e impendem a própria
evolução, são inescrupulosos, sem noção de coexistência. Todas as outras
civilizações são unidas não se separam por linhas imaginarias. Já eles!?
Argos sabia que ela tinha razão,
e que isso não mudaria tão fácil, mas poderia. Os rancores dela veem desde
quando era apenas uma criança, sabia que Lenora tentava ajudar, mais para
tentar agradar ao segundo ser que ela mais amava, do que por suas reais
convicções. Argos era o único que a conhecia realmente, que sabia o que seu
coração realmente trazia, sabia até melhor que a própria Lenora. Talvez o modo
com que ela resolveu ajudar, não fosse o mais correto. Era esse exatamente o
medo que os antigos lideres tinham, se os Nefilins interferissem na vida dos
humanos, provavelmente iriam ficar cada vez mais contra eles. Poucos eram os Nefilins
que conseguiam se manter neutros, auxiliar sem se deixar influenciar pelo escolha
nem sempre favorável que os humanos faziam.
Lenora passou a olhar para o céu,
que naquela noite, estava lindo. Ela olhava com mais atenção para um ponto
específico, parecia até querer achar alguém lá, os olhos dela brilhavam muito, Argos
sabia que ela estava com saudades de uma pessoa em especial, e ela queria
alcançar seus pensamentos naquele ponto, queria dizer pelo menos um oi, e quem
sabe, saber como essa pessoa que ela tanto procurava, estava.
— Não
acho que ela volte Argos. — Suspirou ela.
— Por
que você diz isso?
— A
procurei por toda parte, e não a achei em nenhum Nefilim recém-chegado, ou como
dizem os humanos nascido, a essência dela simplesmente sumiu. Cheguei a
suspeitar da filha de Cazzin e Zorah, mas era Basck, minha querida amiga, que
teve uma passagem tão curta.
— Não
sabia que ela havia morrido novamente.
— Os
dois estavam tão felizes em ter Basck por perto, queriam realmente dar a ela a
oportunidade de se redimir. Cheguei a pensar que a morte de Basck fosse um
pretexto para trazer Elenia sem muitas dificuldades. Pois sabemos que Marduk
mataria Elenia assim que percebesse que ela estava novamente entre nós.
— Mas
eles têm uma filha pequena agora não tem? — Argos parecia querer sondar Lenora, e descobrir o
que ela sabia sobre a criança.
— Sim,
mas é uma humana. Suspeitamos que seja uma humana perfeita, e se for não sei
quanto tempo ela viverá ainda.
— Se
você achar Elenia vai entregá-la?
— Não
sei, sigo a Marduk, ele quer saber sobre o paradeiro dela. Nós procuramos
incessantemente. Mas nada, não conseguimos achar nada. Senti quando Hix e
Taranis aumentaram a influência das suas energias, e eles contaram com ajuda de
outros Nefilins, eram muitos para mim, por isso não consegui descobrir o que
realmente fizeram.
— E
então por que você acha que ela foi para Erra?
— Para
tirar uma energia igual à dela daqui, demandaria a mesma força que eles usaram,
mas confesso que preferia que ela estivesse aqui.
Argos percebeu que ela
provavelmente não contaria a Marduk se achasse Elenia. Lenora iria omitir o
crescimento dela. Por diversas vezes afirmava a si mesma que Elenia estava em
Erra, quanto mais ela acreditasse nisso mais fácil seria para esconder de
Marduk, onde suas reais suspeitas estavam.
— Esqueça
esses assuntos agora, temos tão pouco tempo juntos.
Lenora o abraçou, o tempo que
tinham era curto e precioso, não iria mais prolongar o assunto, queria ficar
com ele em silêncio, sentia que perto dele poderia ser frágil sem medo, sem
mascaras, a firmeza com que ele a abraçava dava a ela essa certeza disso, então
era melhor aproveitar, afinal não sabiam quando seria a próxima vez que poderiam
estar juntos novamente.
Argos percebia a confusão que a
cabeça de Lenora era, ela não conseguia se manter firme, oscilava em suas escolhas, todas as suas atitudes eram escolhidas primeiro pelo rancor e sentimento de superioridade, depois que ela agia impulsivamente era que media as consequências, ela era um ser poderoso e no entanto vivia em um conflito milenar, quem sabe um dia ela conseguisse descobrir, o que realmente poderia ser feito de útil tanto para os humanos quanto para os Nefilins, a final são duas raças irmãs que um dia irão ou se destruir ou se unir, a união era algo defendido por Elenia, já a destruição dos humanos é algo que Marduk ainda defende. E Lenora poderia ser de grande importância para os dois lados.
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